O Outro Lado do Arco-Íris (nome brilhantemente mudado aqui), perto da minha casa, na Savassi, era um barzinho de gente que parecia ter acabado de chegar de Woodstock. Com roupas típicas, mas repaginadas pros anos 80, essa turma dava a impressão de estar constantemente ansiosa – e todos fungavam muito, também – por compartilhar e reviver as experiências alucinógenas com quem não pudera ir ao festival.
Vestido de preto e certo de que isso me diferenciaria dos coloridos hippies tardios que circulavam pelo estabelecimento, cheguei lá por volta das 22h, como quase todas as noites, e cumprimentei o Zé, dono do boteco – cara estranho que parecia mais um abastado artesão, daqueles peruanos e bolivianos que enchiam o saco da gente com flautas de Pã, que um bem-sucedido empresário da noite.
Zé usava óculos iguais aos de John Lennon, coletes enjoativamente floridos, camisas de linho, calças largas aciganadas e sandálias de palha, compradas provavelmente em Jericoacoara ou outro paraíso nordestino qualquer. E cheirava a patchouli, eu juro.
Fui direto pro balcão.
- Vodca com gelo, por favor? – pedi a Geciley (nome também alterado, claro), a bartender um tanto histriônica, mas simpática, que, apesar de não muito bonita, fazia a alegria dos rapazes que frequentavam a casa.
- Cê anda sumido – ela disse, melosa, com um característico sotaque belorizontino.
Eu a fitei com um leve desdém, como sempre, procurando emitir sinais de que não estava a fim de papo. Queria beber minhas cinco ou seis vodcas e pronto.
Um dos inconvenientes do Outro Lado, devo dizer, além do clima exageradamente festivo, era a música. Sons chatérrimos do new rock nacional, como Blitz e Lulu Santos, dividiam a preferência do Zé, o DJ residente e absoluto, com músicas mesozóicas e engulhosas, extraídas de álbuns de grupos musicais totalmente desnecessários à história. Ponto.
Mas, naquela noite, eu nem me importava. Queria era me embriagar e esquecer por alguns momentos a tensão e o desconforto que havia passado horas antes, quando recebi a notícia de ter sido “aceito” para cumprir o serviço militar obrigatório no glorioso 12º Batalhão de Infantaria, no Barro Preto.
Na terceira dose de vodca, senti uma mão amistosa tocar meu ombro.
Imaginei que pertencia a um dos amigos da noite, com os quais não encontrava havia algum tempo: uns malucos avessos àquele bar, mas que sempre iam lá, depois de passar pelo Trincheira e pelo B, pra tentar descolar uma hippie balzaquiana qualquer que financiasse a empreitada a que se dedicavam com afinco: não trabalhar e cuspir no sistema.
Atrás de mim, porém, com a expressão de quem via um fantasma, estava Adriana (nome fictício, of course), dos tempos da 6ª Série no colégio de freis em que eu havia estudado.
- Cara, não acredito que é você - ela disse, conduzindo as palavras com os olhos amendoados dos quais era impossível esquecer.
- Puxa! - reagi, quase engasgado com a pedra de gelo que mastigava.
- Sabe, às vezes nem eu acredito. Só acredito que sou eu quando encontro uma pessoa tão importante. Como você!” - acrescentei, já sob efeito do álcool, com uma alegria desmedida e sem esconder a satisfação pela segunda intenção expressa – e certamente não captada por ela – em “como você”.
Conversamos por mais de uma hora. Lembramos casos de escola divertidos pra ambos, mas tão desagradáveis pra quem não os vivenciara que fizeram até com que Geciley, enxerida por natureza, nos deixasse em paz e fosse, sei lá, lavar uns copos.
Adriana falou da vez em que eu vasculhei a mochila dela, quando saiu da sala pra ir ao banheiro, à procura de um bombom que ela havia me prometido. Acabei encontrando maços de absorvente feminino. Um colega abriu os pacotes e iniciou uma guerra de modess entre os integrantes da chamada turma do fundão, só encerrada quando um dos papelotes acertou a careca do vetusto professor de português, que acabava de entrar na sala.
Também falamos do dia em que um outro colega, famoso na escola, brigou de porradas com o lendário Ku Soon, um filho de coreanos quieto que, quando provocado no recreio – foi chamado de Ku Sujo –, se mostrou mais habilidoso e mortífero que o Caine de Kung Fu. Saco de pancadas pra fúria do rapazinho de origem asiática, o tal colega ficou uma semana com o olho roxo e dores lancinantes nas costelas.
- Foram tantas coisas boas naquela época, né? - Adriana disse, de uma maneira incrivelmente doce e excitante.
- Foram, foram sim - respondi, dando a pausa necessária pra fazer um convite ousado:
- Vamos dar uma volta?
Adriana assentiu, com um quê de menina malvada. Pagamos a conta e saímos do bar.
Nosso destino foi o apartamento onde ela morava sozinha desde que os pais, um dentista aposentado e uma ex-professora, haviam se mudado pro sítio da família, perto de Beagá.
O apê, um dois quartos bem charmoso próximo à Rua Outono, no Sion, foi o palco de um ritual inesquecível naquela madrugada.
Já acomodados no sofá da sala, copos em mãos – eu bebia vodca com gelo e fanta laranja e ela, apenas o refrigerante –, ao som de Bad boy, cantada por Ringo Starr, na vitrola, Adriana fez uma revelação sensacional. A gente já havia se beijado e dado uns amassos no caminho de cerca de uns seis quarteirões entre o Outro Lado e a casa dela. Estávamos muito excitados, mas nos recompusemos por uns momentos pra ter aquela conversa.
- Eu sou virgem - ela disse, abaixando os olhos, tímida, buscando ar num suspiro profundo e voltando a me encarar - Gostaria muito que você fosse o primeiro homem da minha vida.
Bem em cima do verso da música segundo o qual a vida é uma taça de cerejas e o sujeito que canta vai livrar-se dos problemas e transformar a noite em dia, ou algo assim, eu exclamei, emocionado: “Oba!”
Adriana pediu licença e foi pro quarto, de onde prometeu sair em breve, vestindo “algo mais confortável” – como nos filmes americanos.
Com o ar de quem espera a vendedora da sapataria buscar um modelo diferente e no tamanho adequado pros pés 44 – aquele breve momento de reflexão sobre a vida, o universo e sabe-se lá o que mais –, relaxei no sofá, sorvendo o restinho da vodca com fanta.
Pensei no Exército e no que me aguardava e imaginei que tudo de ruim ficava menor diante do que eu estava prestes a viver. Entreguei-me então a um rápido devaneio sobre as milhares de coisas bacanas que poderiam me acontecer nos próximos minutos, horas, dias, anos, séculos.
Putz, eu estava feliz ali, viu?
Até que o tempo foi subitamente suspenso: Adriana entrou na sala como um anjinho pervertido. De microcamisola vermelha; a calcinha da mesma cor, à mostra; as pernas grossas, os seios grandes muito brancos, mostrando delicados feixes de veias, quase se libertando das meias-taças. E um sorriso ardente e ingênuo ao mesmo tempo.
- Uau! - eu balbuciei.
Nós nos enlaçamos e nos soltamos no sofá, trocando beijos tão bravos que até feriram meus lábios. Arranquei a microcamisola de Adriana, baixei as calças até os joelhos e levei o rosto dela à minha virilha. Ela gemeu de um jeito muito legal!
Pouco depois, trocamos de posição e mergulhei nos ralos cabelos castanhos e macios do baixo-ventre dela. Eu parecia um urso grandão e faminto, enfiando o focinho numa colmeia reluzente. Também achei graça nessa imagem, claro, mas não parei de fazer o que estava fazendo.
Percebi que jamais havia, literalmente, me lambuzado com uma mulher tão...
Ah, Adriana!
Estávamos lá, naquela espécie de dança ritmada pelo estalar repetitivo da agulha, estacionada no final do disco do Ringo, quando a porta da frente do apê se abriu. O pai dela falou grosso e não entendi completamente o que ele dizia, mas pude pescar uns palavrões. O que sei mesmo é que me vesti em velocidade warp e saí dali sem olhar pra trás, pensando o que diabos o ex-dentista viera fazer em Belo Horizonte, àquela hora.
Nunca mais nos vimos.
Mas ainda me lambuzo com essas lembranças. Quase com tanta alegria como a que sinto ao lembrar que, no dia seguinte, recebi a maravilhosa notícia de que o Exército cometera um erro quanto ao número de recrutas. Acabei dispensado por excesso de contingente.
Vestido de preto e certo de que isso me diferenciaria dos coloridos hippies tardios que circulavam pelo estabelecimento, cheguei lá por volta das 22h, como quase todas as noites, e cumprimentei o Zé, dono do boteco – cara estranho que parecia mais um abastado artesão, daqueles peruanos e bolivianos que enchiam o saco da gente com flautas de Pã, que um bem-sucedido empresário da noite.
Zé usava óculos iguais aos de John Lennon, coletes enjoativamente floridos, camisas de linho, calças largas aciganadas e sandálias de palha, compradas provavelmente em Jericoacoara ou outro paraíso nordestino qualquer. E cheirava a patchouli, eu juro.
Fui direto pro balcão.
- Vodca com gelo, por favor? – pedi a Geciley (nome também alterado, claro), a bartender um tanto histriônica, mas simpática, que, apesar de não muito bonita, fazia a alegria dos rapazes que frequentavam a casa.
- Cê anda sumido – ela disse, melosa, com um característico sotaque belorizontino.
Eu a fitei com um leve desdém, como sempre, procurando emitir sinais de que não estava a fim de papo. Queria beber minhas cinco ou seis vodcas e pronto.
Um dos inconvenientes do Outro Lado, devo dizer, além do clima exageradamente festivo, era a música. Sons chatérrimos do new rock nacional, como Blitz e Lulu Santos, dividiam a preferência do Zé, o DJ residente e absoluto, com músicas mesozóicas e engulhosas, extraídas de álbuns de grupos musicais totalmente desnecessários à história. Ponto.
Mas, naquela noite, eu nem me importava. Queria era me embriagar e esquecer por alguns momentos a tensão e o desconforto que havia passado horas antes, quando recebi a notícia de ter sido “aceito” para cumprir o serviço militar obrigatório no glorioso 12º Batalhão de Infantaria, no Barro Preto.
Na terceira dose de vodca, senti uma mão amistosa tocar meu ombro.
Imaginei que pertencia a um dos amigos da noite, com os quais não encontrava havia algum tempo: uns malucos avessos àquele bar, mas que sempre iam lá, depois de passar pelo Trincheira e pelo B, pra tentar descolar uma hippie balzaquiana qualquer que financiasse a empreitada a que se dedicavam com afinco: não trabalhar e cuspir no sistema.
Atrás de mim, porém, com a expressão de quem via um fantasma, estava Adriana (nome fictício, of course), dos tempos da 6ª Série no colégio de freis em que eu havia estudado.
- Cara, não acredito que é você - ela disse, conduzindo as palavras com os olhos amendoados dos quais era impossível esquecer.
- Puxa! - reagi, quase engasgado com a pedra de gelo que mastigava.
- Sabe, às vezes nem eu acredito. Só acredito que sou eu quando encontro uma pessoa tão importante. Como você!” - acrescentei, já sob efeito do álcool, com uma alegria desmedida e sem esconder a satisfação pela segunda intenção expressa – e certamente não captada por ela – em “como você”.
Conversamos por mais de uma hora. Lembramos casos de escola divertidos pra ambos, mas tão desagradáveis pra quem não os vivenciara que fizeram até com que Geciley, enxerida por natureza, nos deixasse em paz e fosse, sei lá, lavar uns copos.
Adriana falou da vez em que eu vasculhei a mochila dela, quando saiu da sala pra ir ao banheiro, à procura de um bombom que ela havia me prometido. Acabei encontrando maços de absorvente feminino. Um colega abriu os pacotes e iniciou uma guerra de modess entre os integrantes da chamada turma do fundão, só encerrada quando um dos papelotes acertou a careca do vetusto professor de português, que acabava de entrar na sala.
Também falamos do dia em que um outro colega, famoso na escola, brigou de porradas com o lendário Ku Soon, um filho de coreanos quieto que, quando provocado no recreio – foi chamado de Ku Sujo –, se mostrou mais habilidoso e mortífero que o Caine de Kung Fu. Saco de pancadas pra fúria do rapazinho de origem asiática, o tal colega ficou uma semana com o olho roxo e dores lancinantes nas costelas.
- Foram tantas coisas boas naquela época, né? - Adriana disse, de uma maneira incrivelmente doce e excitante.
- Foram, foram sim - respondi, dando a pausa necessária pra fazer um convite ousado:
- Vamos dar uma volta?
Adriana assentiu, com um quê de menina malvada. Pagamos a conta e saímos do bar.
Nosso destino foi o apartamento onde ela morava sozinha desde que os pais, um dentista aposentado e uma ex-professora, haviam se mudado pro sítio da família, perto de Beagá.
O apê, um dois quartos bem charmoso próximo à Rua Outono, no Sion, foi o palco de um ritual inesquecível naquela madrugada.
Já acomodados no sofá da sala, copos em mãos – eu bebia vodca com gelo e fanta laranja e ela, apenas o refrigerante –, ao som de Bad boy, cantada por Ringo Starr, na vitrola, Adriana fez uma revelação sensacional. A gente já havia se beijado e dado uns amassos no caminho de cerca de uns seis quarteirões entre o Outro Lado e a casa dela. Estávamos muito excitados, mas nos recompusemos por uns momentos pra ter aquela conversa.
- Eu sou virgem - ela disse, abaixando os olhos, tímida, buscando ar num suspiro profundo e voltando a me encarar - Gostaria muito que você fosse o primeiro homem da minha vida.
Bem em cima do verso da música segundo o qual a vida é uma taça de cerejas e o sujeito que canta vai livrar-se dos problemas e transformar a noite em dia, ou algo assim, eu exclamei, emocionado: “Oba!”
Adriana pediu licença e foi pro quarto, de onde prometeu sair em breve, vestindo “algo mais confortável” – como nos filmes americanos.
Com o ar de quem espera a vendedora da sapataria buscar um modelo diferente e no tamanho adequado pros pés 44 – aquele breve momento de reflexão sobre a vida, o universo e sabe-se lá o que mais –, relaxei no sofá, sorvendo o restinho da vodca com fanta.
Pensei no Exército e no que me aguardava e imaginei que tudo de ruim ficava menor diante do que eu estava prestes a viver. Entreguei-me então a um rápido devaneio sobre as milhares de coisas bacanas que poderiam me acontecer nos próximos minutos, horas, dias, anos, séculos.
Putz, eu estava feliz ali, viu?
Até que o tempo foi subitamente suspenso: Adriana entrou na sala como um anjinho pervertido. De microcamisola vermelha; a calcinha da mesma cor, à mostra; as pernas grossas, os seios grandes muito brancos, mostrando delicados feixes de veias, quase se libertando das meias-taças. E um sorriso ardente e ingênuo ao mesmo tempo.
- Uau! - eu balbuciei.
Nós nos enlaçamos e nos soltamos no sofá, trocando beijos tão bravos que até feriram meus lábios. Arranquei a microcamisola de Adriana, baixei as calças até os joelhos e levei o rosto dela à minha virilha. Ela gemeu de um jeito muito legal!
Pouco depois, trocamos de posição e mergulhei nos ralos cabelos castanhos e macios do baixo-ventre dela. Eu parecia um urso grandão e faminto, enfiando o focinho numa colmeia reluzente. Também achei graça nessa imagem, claro, mas não parei de fazer o que estava fazendo.
Percebi que jamais havia, literalmente, me lambuzado com uma mulher tão...
Ah, Adriana!
Estávamos lá, naquela espécie de dança ritmada pelo estalar repetitivo da agulha, estacionada no final do disco do Ringo, quando a porta da frente do apê se abriu. O pai dela falou grosso e não entendi completamente o que ele dizia, mas pude pescar uns palavrões. O que sei mesmo é que me vesti em velocidade warp e saí dali sem olhar pra trás, pensando o que diabos o ex-dentista viera fazer em Belo Horizonte, àquela hora.
Nunca mais nos vimos.
Mas ainda me lambuzo com essas lembranças. Quase com tanta alegria como a que sinto ao lembrar que, no dia seguinte, recebi a maravilhosa notícia de que o Exército cometera um erro quanto ao número de recrutas. Acabei dispensado por excesso de contingente.
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