segunda-feira, 7 de março de 2011

O Banho - 1994

Por Evaldo Magalhães


Adroaldo tomava banho quando o telefone tocou. Ficou exaltado, como sempre acontecia, ao ouvir o tilintar do aparelho. "Ninguém vai atender essa droga?", pensou. Todo ensaboado, abriu a porta do box e esticou-se pra pegar a toalha, que, pra variar, não estava onde deveria. "Maria, Ana, atendam o telefone pra mim!"

Que diabos a mulher e a filha mais velha estariam fazendo que não se dignavam a atender a porra do telefone?

Não teve jeito. Molhado e com frio, Adroaldo saiu do banheiro dirigindo imprecações aos "inúteis" da casa quando deu-se conta de que estava sozinho. "Será que a Maria saiu com as meninas sem me dizer nada?", perguntou-se, a caminho do escritório.

O telefone esgoelava e, com o mesmo humor que deixara o chuveiro, ele finalmente o atendeu.

"Puuuuiiiiii, priiiiiiii, pruiiiii".

Era aquele inconfundível e detestável linguajar de fax, ansioso por obter a resposta de outro. Um aparelho metido à besta comunicando-se, ou desejando fazê-lo, com um parente.

Adroaldo soltou os usuais palavrões contra o interlocutor eletrônico – ele achava um absurdo que as pessoas que lidavam com faxes não se preocupassem em saber, antes de programar as máquinas, se haveria alguém de carne e osso do outro lado da linha para dizer se podia ou queria receber o que quer que fosse. Mas, como sempre, engoliu a raiva e fez o que a máquina pedia.

Ligou o computador, abriu o aplicativo de fax e sentou-se para, pela enésima vez, assistir àquela inexplicável, quase mágica operação. Como é que podia acontecer? Um monte de sinaizinhos sonoros, acumulados em um ruído estridente, aparentemente sem lógica ou significado, transformar-se em letras, frases, palavras, desenhos – e fotos, o que era mais assustador.

"Pixchhhhhhhhhhhhhhhh".

Adroaldo esperou o fim da transmissão e voltou a admirar-se com a peculiar despedida das duas máquinas. Levou o cursor do mouse para o comando "View", clicou (outra coisa impressionante, sem dúvida!) e esperou que a mensagem recém-chegada aparecesse na tela à sua frente.

"Sr. Adroaldo Teixeira Matos, filho de Dona Dalva e Seu Licurgo, comunicamos seu passamento. O senhor teve um piripaque (mais precisamente, um infarto agudo e fulminante do miocárdio), enquanto tomava banho. Calma! Não entre em pânico ou deixe temor e dúvidas invadirem seu ‘coração’, pois tal desespero só dificultará uma entrada sem percalços no que, na falta de descrição melhor, chamamos de outra dimensão. O senhor ficará bem! Aguarde novo contato, desta vez pessoal, de um de nossos emissários. Obrigado, fique em paz e lembre-se: quando a montanha acaba, devemos continuar subindo..."

Adroaldo deu uma gargalhada. Quem poderia ter tramado uma brincadeira daquelas? "Maria, Maria, vem ver o fax que eu recebi!", gritou, esquecendo-se que a mulher e as filhas não estavam em casa.

Ou estavam?

Ele ouviu vozes e percebeu uma grande agitação. Pelado e ainda com frio, tampou o pinto com as mãos e foi ver o que acontecia.

De trás da porta da sala, espreitou Maria, sentada no sofá. Ela chorava copiosamente, enquanto os irmãos e cunhados tentavam confortá-la.

"Que tá acontecendo, Maria?", ele berrou, com a cabeça para fora do esconderijo. "Um cara tão forte e tão novo...", comentava o Carlos Alexandre, marido da Clara.

"Foi pá e pimba, não deu tempo nem de levar pro hospital", emendou o Rodrigo, vizinho do 703.

Adroaldo entendeu tudo e voltou a soltar os bofes:

"Porra, para com essa choradeira, gente, olha eu aqui!", disse, chutando o ar e pulando pela sala, sem vergonha de estar pelado, na esperança de que notassem não só sua presença, mas também sua vitalidade.

"Ele me devia uma bolada, mas agora, me diga, com que cara eu vou cobrar da viúva?", sussurrava em um canto o Clésio, colega de Adroaldo dos tempos de faculdade e, por infeliz acaso, também morador do prédio.

"Dá um tempo, deixa passar a missa de sétimo dia e fala com a Maria", ajudou-lhe o Dr. Pedreira, o advogado do 701.

Àquela altura, Adroaldo estava desesperado mesmo, sentindo palpitações e tonteiras, embora soubesse, no âmago, que tudo era fricote (afinal, se aquele pesadelo fosse realidade, não tinha mais coração, pressão sanguínea ou sistema nervoso que corroborassem os sintomas histéricos)...

Renato parou de escrever a historinha e esticou-se na cadeira. Era tarde. Érika e as meninas dormiam e o silêncio seria completo, não fosse o roncar do computador. Desligou a máquina e foi tomar banho, pra dormir relaxado. No chuveiro, assoviava e ensaboava-se quando sentiu uma forte dor no peito. O telefone tocou...

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