sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Dachau


Em determinado período da 2ª Guerra, Heirinch Wicker, comandante de Dachau, mandava a guarda feminina do campo de concentração selecionar, entre as prisioneiras, as mulheres com os seios maiores e as bocas mais belas. E por maiores e mais belas, conforme determinação expressa de Wicker, as guardas entendiam os peitos mais alvos, volumosos e pontudos, com bicos mais perfeitos, e as bocas mais vermelhas e carnudas.

As selecionadas, sempre em torno de cinco ou seis, não eram putas alemãs e polonesas da Joy Division. Wicker não queria nada com elas. O grupo era pinçado das prisioneiras normais, mulheres de bem afastadas de seus pais, irmãos, maridos e filhos – todos considerados inimigos do Reich, mas arianos.

Elas eram levadas a um sobrado nas imediações de Dachau, onde tomavam banho de banheira com sais e pétalas de rosas, depois que seus corpos eram devidamente desinfectados, esfregados com grandes buchas embebidas em álcool. Maquiadas com cores fortes, sombras malignas desenhadas nos olhos e batons de sangue, as donas dos mais belos peitos e bocas do campo eram vestidas como ninfas, com panos esvoaçantes. Uma indumentária que, claro, deixava suas portentosas tetas à mostra.

Agrupadas em uma grande sala com lareira, à luz de velas e ao som de um piano tocado wagnerianamente por um homem com a máscara de um dos Armanen – os míticos padres-reis da cultuada nação ário-germânica –, as mulheres eram obrigadas a se locupletar de taças de hidromel, servidas pelas guardas femininas.

Em pouco tempo, entravam em um estado coletivo de alucinação. Passavam a fazer carícias mútuas e a explorar com dedos e línguas as partes íntimas, próprias e das companheiras. Neste momento, Wicker entrava no cômodo, nu, com o pênis ereto, untado com absinto, o que deixaria as mulheres ainda mais alucinadas, tão logo tocassem nele suas bocarras salivantes.

O nazista percebia as mais tímidas e se aproximava. Ordenava que esfregassem os seios no falo que tinham à frente. E elas obedeciam, sem esconder sorrisos perversos. Depois lambiam e engoliam; sugavam-no, sedentas.

Wicker mantinha a ereção por horas. Não sucumbia ao orgasmo graças a uma técnica pagã antiga: pressionava com o dedo indicador, em intervalos curtos, um ponto médio entre o ânus e o escroto. Assim, garantia a todas o que ele considerava um privilégio: saborear seu membro ariano.

Depois de visitar todos os seios e bocas, Wicker mandava que as mulheres se enfileirassem, de quatro e de costas para ele. Penetrava cada uma várias vezes, ora na vagina, ora no ânus; dava estocadas violentas e se divertia com os gritos de prazer e dor.

Passados alguns minutos, ele se deitava no tapete central da sala e mandava que as mulheres se aproximassem para presenciar seu orgasmo e se lambuzar com sua explosão. Empolgadas, mais uma vez elas obedeciam. E bebiam, até a última gota, o sêmen do chefe de Dachau. No dia seguinte, as mulheres, ressacadas, nauseadas, doloridas por fora e por dentro e sem apresentar resistência, eram levadas a um muro na parte de trás do sobrado. E eram fuziladas.      


segunda-feira, 26 de março de 2012

Índio x Cangaceiro


            
            Belo Horizonte, ginásio do Mackenzie, 1980.
            O mundo girava.
            A pancada foi certeira e ele podia sentir o queixo latejando.
            Índio Sapiranga se agarrava às cordas do ringue e gritava alucinadamente sob uma onda ensurdecedora de apupos da plateia. Cangaceiro jazia na lona, quase inconsciente, mais derrotado do que nunca.
            O combinado era que se levantasse, derrubasse o juiz "ladrão" com uma rasteira esperta, pedisse o silêncio e a confidência do público e se aproximasse sorrateiramente, por trás, do oponente, que dirigia bravatas à multidão. Então, agarraria a vasta cabeleira do colega argentino – que faria outros dois lutadores "do bem" naquela noite, mas que agora era o vilão – e o puxaria para baixo com a tradicional simulação de violência, até fazê-lo ajoelhar.
            Ensandecida, a audiência aplaudiria e pediria o golpe mortal. Rápido como Corisco, Cangaceiro subiria na forquilha do ringue e saltaria com uma voadora plástica, triunfal, atingindo impiedosamente o peito do malévolo silvícola, para o encantamento dos fãs.
            Mas ele não conseguiu se erguer.
        Vamo, Osvaldo, levántate! - sussurrou-lhe o juiz, Paco Mosquera, um uruguaio gigante, barrigudo e velho, que nos áureos tempos chegou a interpretar o temido Verdugo.
           – Não... consigo – sussurrou de volta o ofegante Cangaceiro.
            A figura do amigo Mosquera, as luzes brancas e oscilantes sobre o tatame e o corpanzil do Índio Sapiranga, pendurado nas cordas, ganharam formas de vapor e desvaneceram lentamente, ao som agora abafado das vaias das cerca de 200 pessoas que assistiam ao espetáculo.
            Osvaldo? Osvaldo?... Xi, Queiroz, Osvaldo desmayó. Le pegó muy duro  - disse Mosquera, virando-se para o Índio de olhos de sangue.
            Sapiranga, ou o ex-faxineiro de uma escola pública de Lima, no Peru, Chiquito Queiroz, desceu das cordas e se agachou para sentir a respiração do Cangaceiro. Garantiu que não usou força excessiva no golpe, mas que podia ter acertado, sem querer e com a mão aberta, como era a regra, a ponta do queixo do companheiro, num daqueles sopapos que fazem o cérebro balançar e até se desligar.
            - No era mi intención, Mosquera, lo siento – disse, com um bolo seco de culpa atrapalhando as palavras.
            Dois lutadores anões que se apresentariam em seguida, Dunga e Ranzinza, subiram ao ringue e carregaram o Cangaceiro para o vestiário.
            O índio não desperdiçou o momento: ao perceber que o público, extasiado, agora gritava seu nome, pensou nos ensinamentos de Trovão, um dos mais antigos artistas de telecatch do país, segundo o qual a preferência dos assistentes poderia mudar completamente durante a contenda.
            “É a psicologia das massas. Às vezes, a plateia quer justiça; às vezes, quer justiça e sangue; mas, às vezes, quer só sangue, não importa de quem”, dizia El Trovão.
            Sapiranga pulava de um lado a outro, batia no peito como um king kong supremo e se deliciava com a histeria da massa.
            Enquanto comemorava o triunfo sobre o adversário que deveria subjugá-lo naquela luta, a sirene de uma ambulância ecoou pelo ginásio e se sobrepôs à estridência de seus novos e certamente efêmeros admiradores.
            Cangaceiro não resistiu, a caminho do hospital.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Obsessão, um resumo



Ela me tomou mais de dois anos.



Desde aquele dia na praia, em janeiro de 1984, quando a vi pela primeira vez, sozinha, roçando o pé na areia, perto do mar, de tardinha. Nossos olhares se cruzaram e senti um sopro no peito. Um anjo me soprou.

Foi paixão daquelas de foder. Ou de não foder, porque jamais sequer a beijei na boca.

De noite, nós nos vimos de novo, dessa vez num bar à beira-mar. Tínhamos amigos comuns. Éramos a turma de Belo Horizonte.

Conversamos e ela me deu muita bola. Muita mesmo! Fiquei louco, né? Mas nunca havia namorado, até então, e talvez por isso não soubesse levar adiante a conversa até roubar um beijo, por exemplo, de alguém com quem se quisesse passar a vida toda, até ficar velhinho. Eu era muito cru.

Naquelas férias de verão começou minha obsessão por ela. A gente se encontrava na praia, um bando de malucos, e ficava em um trailer de sanduíches bem na areia, tomando cerveja, fumando maconha e ouvindo rock'n'roll.

Ela era loura, linda, pelos louros nas pernas, na barriguinha, nos braços, magrinha, mas muito gostosa. Alucinado, eu ficava caçando oportunidades pra ter conversas privativas com ela.

Num dos papos, pôr do sol, ela me perguntou se eu faria o terceiro científico no ano que se iniciava. Respondi que sim. E ela disse "eu também, que coincidência".  Interpretei o comentário, um tanto óbvio, já que tínhamos a mesma idade, como a comprovação da correspondência dos sentimentos.

Idiota? Provavelmente.

Voltei pra BH no dia do aniversário dela, que seria comemorado com um luau na praia, ao qual obviamente não fui. Em casa, fiquei contando os dias pra que ela chegasse.

Foram dias de paixonite adolescente braba. Ouvia no som do meu quarto sem parar discos do Pink Floyd, do Genesis e do King Crimson, principalmente, que tocavam constantemente no trailer da praia. E pensava nela, e me masturbava com a imagem dela, e chorava pela ausência dela.

Ela finalmente chegou. Soube disso porque o resto da turma, os meus amigos, também chegou e me contou. E um dos meus brothers me apunhalou sem saber, claro: disse que havia ficado com ela no fatídico dia do aniversário. E que também estava apaixonado.

Ela tinha um namorado de muitos anos em BH, que não pudera ir pra praia, e isso era um complicador pra esse meu brother. A loura linda havia dito a ele que não daria pra ficarem juntos porque ela não queria terminar com o tal namorado.

Haha. Ele se ferrou. Mas eu também.

Meu amigo sofreu por um tempo. Pouco tempo. E acabou esquecendo a belezura.

Não tive a mesma sorte. Haha. Ela me tomou mais de dois anos.

Obsessão mesmo. Não há outra palavra. Eu saía à noite à procura dela, depois de passar os dias tendo alucinações com ela. Eu via um casal na gente. Uma vida nova pra ela, pra mim, de mãos dadas, planejando o casamento, uma casa no mato.

Eu a queria não pra conversar sobre "nós" ou algo assim. Eu a queria pra vê-la e cumprimentá-la. E assim, quem sabe, passar subliminarmente a ideia de que estava desesperado de amor.  Mesmo que ela estivesse ao lado do namorado e da turma sorridente à qual eles pertenciam, um pessoal descolado, hippies inteligentes que não frequentavam exatamente os mesmos bares que eu.

Sofri muito. Chorei muito. Dois anos e pouco. Talvez três anos.

Fui me desligando dela aos poucos, dada a impossibilidade do romance, obviamente, e o fato de que outras mulheres surgiram na minha vida e me distraíram.

Mas foram dois anos e pouco, talvez três, de absoluta fidelidade a um sonho. E parte do sonho nunca soube disso.