Por Evaldo Magalhães

O olhar desdenhoso e metido a besta do figurão, na foto da coluna social do Estado de Minas, irritou tanto Osmar que ele bolou um plano diabólico, embora despropositado. Dali em diante, poderia dedicar seu tempo útil e inútil a destruir, a aniquilar, a transformar em um quadro dantesco a vida do doutor Anastácio Donizetti Sobrinho, dono de uma siderúrgica na periferia da cidade.
"Eu não conheço e nunca vi esse cara", ele pensou, "mas vale a pena fazer alguma coisa pra tornar meus dias mais prazerosos e os dele, uma merda sem fim", concluiu, enquanto a mãe anunciava que a macarronada e o frango estavam servidos.
Na verdade, aquele desabafo fora, ou parecera ter sido ao próprio Osmar, apenas uma brincadeira, e de muito mau gosto. Uma piada íntima, totalmente sem sentido. Ou uma espécie de passatempo mental, vindo de alguém desesperado na tentativa de amenizar os efeitos devastadores de um domingo sordidamente estéril, rotineiro e ensolarado, na casa da mãe.
À noite, enquanto assistia à televisão ao lado dos filhos e da mulher, Osmar nem mais se lembrava da bravata de horas antes. Pensava era nas contas e mais contas a pagar, no dentista e no cardiologista a marcar e no sonho, sempre enevoado e aparentemente irrealizável, de ficar rico, de comprar uma cobertura com piscina e churrasqueira, um sítio e uma caminhonete importada, à diesel, com ar condicionado e CD player.
Na segunda-feira de manhã, contudo, quando Osmar tomava café e preparava-se para ir ao trabalho, foi como se, de repente, uma lufada congelante de ideias malévolas o atingisse. O gazeteiro compromisso assumido consigo mesmo, no dia anterior, ressurgiu, sério e monstruoso.
"Uma merda sem fim", ele disse, soltando, em seguida, uma risada vincentpriceana, cuspindo migalhas de pão por todos os lados.
"Ih, papai pirou!", comentou Docimar, a filha mais velha.
Osmar chegou ao escritório, como de costume, às 8h. Antes de saber da secretária a agenda e as visitas a fazer no dia – ele era corretor de imóveis e tirava seu sustento de comissões –, tratou de achar no catálogo o telefone e o endereço do Dr. Donizetti Sobrinho.
"Doutor, o caralho! Nem segundo grau esse babaca deve ter", disse, baixinho.
O empresário morava em um elegante bairro da Zona Sul, isso todo mundo sabia, mas tinha sete números de telefone registrados em seu nome, todos na mesma região. Fora os quinze da usina siderúrgica.
Osmar tentou o mais simpático, que podia ou não ser o da casa do homem, sem a mínima ideia do que diria.
Uma voz rouca de mulher atendeu.
"Eu quero falar com o salafrário do Donizetti", ele disse, de um jeito imperativo e ameaçador.
"Olha", a mulher respondeu, ao fim de um longo bocejo, "o filho da puta não mora aqui. Sou uma das infelizes ex-mulheres dele e, se você quer o telefone da casa onde ele está morando, desista, porque o Donizetti mandou tirar da lista. Nem eu tenho o contato".
"Tudo bem, desculpe o incômodo", Osmar despediu-se, um tanto aliviado.
"Ei, não sei quem é você, mas bem-vindo ao clube cada vez mais cheio de pessoas que odeiam aquele balofo. E boa sorte, seja lá o que você estiver pretendendo!", a mulher disse, antes de desligar.
Osmar colocou o telefone no gancho e, transpirando, caiu em si:
"Puta merda, eu devo estar louco!", repreendeu-se. "Acho melhor trabalhar e esquecer essa besteira".
O corretor voltou para casa à noite, tirou a gravata e pegou a cerveja mais gelada do freezer. Ficou ali mesmo na cozinha, recostado na parede, bebericando, enquanto Sandra fritava hambúrgueres para as crianças. Foi quando o vendaval de pensamentos demoníacos assolou-o de novo e ele não conseguiu se conter.
"Tem um cara aí, da alta sociedade, prejudicando muito meu trabalho, meu bem", ele disse casualmente a Sandra, sem saber exatamente por que o fazia.
"É? Como?", ela quis saber, subitamente interessada.
Nos minutos seguintes, Osmar desfiou uma história fantástica, diante da expressão cada vez mais abestalhada da esposa.
Disse que o empresário Donizetti Sobrinho – "Conhece a peça?", perguntou a ela, que balançou a cabeça para os lados – acompanhou-o, dias antes, a um superapartamento de cinco quartos, em um bairro chique da cidade.
O homem, “gordo e fedorento como um porco”, fingira-se interessado no apartamento apenas para dar uma cantada no corretor.
Osmar contou ter reagido com firmeza:
"Falei que eu era um profissional, que estava ali pra trabalhar e que poderíamos continuar conversando, desde que fosse sobre negócios. Disse ainda que, mesmo que fosse viado, jamais toparia um programa com um elefante asqueroso daqueles", relatou a Sandra, boquiaberta.
"Depois disso, o cara passou a ligar pro meu chefe, pedindo minha cabeça, alegando que eu fui muito grosseiro e que não servia pra vender imóveis", prosseguiu.
Sandra perguntou o que o patrão achara de tudo e Osmar carregou nas tintas:
"Você não vai acreditar! Ele falou que mais um deslize meu com o gordo, que inclusive quer ver outro apartamento, e estou na rua!"
Na verdade, o que o corretor tentava era fazer com que não apenas ele, mas toda a família odiasse o tal doutor Donizetti Sobrinho, de quem ninguém naquela casa jamais ouvira falar. Além de conseguir aliados em sua maquiavélica empreitada, teria uma boa desculpa para eventuais excessos que viesse a cometer na execução do plano.
"Você tem que fazer algo a respeito, amor! Vá à polícia, denuncie, isso deve ser assédio sexual, sei lá. Conte a história pros seus amigos, fale com os jornais, bote a boca no mundo", disse Sandra.
"Deixa comigo", ele respondeu, caminhando para a sala de televisão, um sorriso sacana estampado.
Na manhã seguinte, Osmar tornou a ligar para a mulher com quem conversara na segunda-feira. Ele tinha certeza de que Sandra, que deveria ir ao cabeleireiro naquela tarde, contaria a história a duas ou três amigas, que por sua vez relatariam o ocorrido, de forma ainda mais apimentada, a atendentes do salão e a conhecidas, que então falariam com Deus e o resto do mundo sobre a suposta preferência sexual e os métodos de abordagem do doutor Donizetti Sobrinho.
"Escute, dona, preciso lhe perguntar uma coisa: como a senhora ficou casada tanto tempo com um gay?... Não, não se assuste. É que um amigo meu, que é corretor de imóveis, me contou que...", e repetiu o caso para a mulher de voz rouca.
"Meu Deus, tenho de espalhar isso, não perco a oportunidade por nada no mundo", ela agradeceu e desligou.
Quarta-feira, depois do almoço, o corretor estava com os pés sobre a mesa do escritório e palitava os dentes.
Só pensava na bomba H que havia lançado sobre a vida do empresário e dava risadinhas de si mesmo.
A secretária usou o intercomunicador:
"Osmar, tem um tal de doutor Donizetti aqui e... Xi, ele entrou!"
O gordo nem esperou Osmar se levantar. Agarrou o corretor, num abraço lascivo, aplicou-lhe um beijaço de língua, afastou-se um pouco e sussurrou-lhe no ouvido:
"Boas notícias, garoto! Parece que todo o mundo já está sabendo do nosso caso”, disse. "Prometo que, se a gente ficar junto, te dou aquela cobertura, aquele carro, e, se você for bonzinho, até aquele sítio..."
Osmar, pálido, trêmulo, mas como que voltando de um sonho, gemeu:
“Mas... cê quer mesmo que eu me separe da Sandra, Dodô?”

O olhar desdenhoso e metido a besta do figurão, na foto da coluna social do Estado de Minas, irritou tanto Osmar que ele bolou um plano diabólico, embora despropositado. Dali em diante, poderia dedicar seu tempo útil e inútil a destruir, a aniquilar, a transformar em um quadro dantesco a vida do doutor Anastácio Donizetti Sobrinho, dono de uma siderúrgica na periferia da cidade.
"Eu não conheço e nunca vi esse cara", ele pensou, "mas vale a pena fazer alguma coisa pra tornar meus dias mais prazerosos e os dele, uma merda sem fim", concluiu, enquanto a mãe anunciava que a macarronada e o frango estavam servidos.
Na verdade, aquele desabafo fora, ou parecera ter sido ao próprio Osmar, apenas uma brincadeira, e de muito mau gosto. Uma piada íntima, totalmente sem sentido. Ou uma espécie de passatempo mental, vindo de alguém desesperado na tentativa de amenizar os efeitos devastadores de um domingo sordidamente estéril, rotineiro e ensolarado, na casa da mãe.
À noite, enquanto assistia à televisão ao lado dos filhos e da mulher, Osmar nem mais se lembrava da bravata de horas antes. Pensava era nas contas e mais contas a pagar, no dentista e no cardiologista a marcar e no sonho, sempre enevoado e aparentemente irrealizável, de ficar rico, de comprar uma cobertura com piscina e churrasqueira, um sítio e uma caminhonete importada, à diesel, com ar condicionado e CD player.
Na segunda-feira de manhã, contudo, quando Osmar tomava café e preparava-se para ir ao trabalho, foi como se, de repente, uma lufada congelante de ideias malévolas o atingisse. O gazeteiro compromisso assumido consigo mesmo, no dia anterior, ressurgiu, sério e monstruoso.
"Uma merda sem fim", ele disse, soltando, em seguida, uma risada vincentpriceana, cuspindo migalhas de pão por todos os lados.
"Ih, papai pirou!", comentou Docimar, a filha mais velha.
Osmar chegou ao escritório, como de costume, às 8h. Antes de saber da secretária a agenda e as visitas a fazer no dia – ele era corretor de imóveis e tirava seu sustento de comissões –, tratou de achar no catálogo o telefone e o endereço do Dr. Donizetti Sobrinho.
"Doutor, o caralho! Nem segundo grau esse babaca deve ter", disse, baixinho.
O empresário morava em um elegante bairro da Zona Sul, isso todo mundo sabia, mas tinha sete números de telefone registrados em seu nome, todos na mesma região. Fora os quinze da usina siderúrgica.
Osmar tentou o mais simpático, que podia ou não ser o da casa do homem, sem a mínima ideia do que diria.
Uma voz rouca de mulher atendeu.
"Eu quero falar com o salafrário do Donizetti", ele disse, de um jeito imperativo e ameaçador.
"Olha", a mulher respondeu, ao fim de um longo bocejo, "o filho da puta não mora aqui. Sou uma das infelizes ex-mulheres dele e, se você quer o telefone da casa onde ele está morando, desista, porque o Donizetti mandou tirar da lista. Nem eu tenho o contato".
"Tudo bem, desculpe o incômodo", Osmar despediu-se, um tanto aliviado.
"Ei, não sei quem é você, mas bem-vindo ao clube cada vez mais cheio de pessoas que odeiam aquele balofo. E boa sorte, seja lá o que você estiver pretendendo!", a mulher disse, antes de desligar.
Osmar colocou o telefone no gancho e, transpirando, caiu em si:
"Puta merda, eu devo estar louco!", repreendeu-se. "Acho melhor trabalhar e esquecer essa besteira".
O corretor voltou para casa à noite, tirou a gravata e pegou a cerveja mais gelada do freezer. Ficou ali mesmo na cozinha, recostado na parede, bebericando, enquanto Sandra fritava hambúrgueres para as crianças. Foi quando o vendaval de pensamentos demoníacos assolou-o de novo e ele não conseguiu se conter.
"Tem um cara aí, da alta sociedade, prejudicando muito meu trabalho, meu bem", ele disse casualmente a Sandra, sem saber exatamente por que o fazia.
"É? Como?", ela quis saber, subitamente interessada.
Nos minutos seguintes, Osmar desfiou uma história fantástica, diante da expressão cada vez mais abestalhada da esposa.
Disse que o empresário Donizetti Sobrinho – "Conhece a peça?", perguntou a ela, que balançou a cabeça para os lados – acompanhou-o, dias antes, a um superapartamento de cinco quartos, em um bairro chique da cidade.
O homem, “gordo e fedorento como um porco”, fingira-se interessado no apartamento apenas para dar uma cantada no corretor.
Osmar contou ter reagido com firmeza:
"Falei que eu era um profissional, que estava ali pra trabalhar e que poderíamos continuar conversando, desde que fosse sobre negócios. Disse ainda que, mesmo que fosse viado, jamais toparia um programa com um elefante asqueroso daqueles", relatou a Sandra, boquiaberta.
"Depois disso, o cara passou a ligar pro meu chefe, pedindo minha cabeça, alegando que eu fui muito grosseiro e que não servia pra vender imóveis", prosseguiu.
Sandra perguntou o que o patrão achara de tudo e Osmar carregou nas tintas:
"Você não vai acreditar! Ele falou que mais um deslize meu com o gordo, que inclusive quer ver outro apartamento, e estou na rua!"
Na verdade, o que o corretor tentava era fazer com que não apenas ele, mas toda a família odiasse o tal doutor Donizetti Sobrinho, de quem ninguém naquela casa jamais ouvira falar. Além de conseguir aliados em sua maquiavélica empreitada, teria uma boa desculpa para eventuais excessos que viesse a cometer na execução do plano.
"Você tem que fazer algo a respeito, amor! Vá à polícia, denuncie, isso deve ser assédio sexual, sei lá. Conte a história pros seus amigos, fale com os jornais, bote a boca no mundo", disse Sandra.
"Deixa comigo", ele respondeu, caminhando para a sala de televisão, um sorriso sacana estampado.
Na manhã seguinte, Osmar tornou a ligar para a mulher com quem conversara na segunda-feira. Ele tinha certeza de que Sandra, que deveria ir ao cabeleireiro naquela tarde, contaria a história a duas ou três amigas, que por sua vez relatariam o ocorrido, de forma ainda mais apimentada, a atendentes do salão e a conhecidas, que então falariam com Deus e o resto do mundo sobre a suposta preferência sexual e os métodos de abordagem do doutor Donizetti Sobrinho.
"Escute, dona, preciso lhe perguntar uma coisa: como a senhora ficou casada tanto tempo com um gay?... Não, não se assuste. É que um amigo meu, que é corretor de imóveis, me contou que...", e repetiu o caso para a mulher de voz rouca.
"Meu Deus, tenho de espalhar isso, não perco a oportunidade por nada no mundo", ela agradeceu e desligou.
Quarta-feira, depois do almoço, o corretor estava com os pés sobre a mesa do escritório e palitava os dentes.
Só pensava na bomba H que havia lançado sobre a vida do empresário e dava risadinhas de si mesmo.
A secretária usou o intercomunicador:
"Osmar, tem um tal de doutor Donizetti aqui e... Xi, ele entrou!"
O gordo nem esperou Osmar se levantar. Agarrou o corretor, num abraço lascivo, aplicou-lhe um beijaço de língua, afastou-se um pouco e sussurrou-lhe no ouvido:
"Boas notícias, garoto! Parece que todo o mundo já está sabendo do nosso caso”, disse. "Prometo que, se a gente ficar junto, te dou aquela cobertura, aquele carro, e, se você for bonzinho, até aquele sítio..."
Osmar, pálido, trêmulo, mas como que voltando de um sonho, gemeu:
“Mas... cê quer mesmo que eu me separe da Sandra, Dodô?”